E se os seres humanos dominantes, desde o começo dos tempos, fossem as meninas e não os meninos? Será que a vida seria como é nos dias de hoje?
Segundo o professor de psicopatologia de Cambridge, Simon Baron-Cohen, o cérebro feminino é predominantemente embutido de empatia e comunicação, enquanto o masculino de compreensão e sistematização. Temos personalidades diferentes das mulheres e ambos os sexos são complementares, cada um com suas respectivas qualidades e fraquezas. Porém, essa natureza da mente indica que elas podem ter um dom humano mais genuíno de se importar com o bem comum que nós, homens. Essa preocupação é resultado do poder da empatia.
O filósofo Roman Krznaric – criador do Museu da Empatia – destaca que, no século XVIII, Adam Smith descreveu que “nossa sensibilidade moral origina-se da nossa capacidade mental para trocar de lugar com o sofredor na imaginação”. Apesar de Adam ter sido precursor da ideologia do egoísmo nas entrelinhas de suas teorias econômicas que perduram até hoje, fica notável que já naquela época a moral coletiva dependia do bem estar de todos. Séculos mais tarde, em 1909, a palavra “empathy” foi criada com origem no grego antigo “empatheia” que significa “in” + “sofrimento”.
Talvez em razão de um enfoque na problemática social da época ela tenha surgido com esse lado sofredor, mas a empatia pode ser mais natural e existir através da alegria do próximo também.
Ao longo da vida, as pessoas se tornam espontaneamente menos ou mais empáticas, mas ainda assim a empatia em si depende apenas do livre arbítrio de querer praticá-la. Sentir na pele como é ser outrem, seus sentimentos e necessidades, pode acontecer em muitas intensidades. De forma mais simples, como perguntar um sonho de um amigo e imaginar por ele ou de forma mais extrema, como viver os costumes de outra religião em outro país por um tempo. Independentemente desse grau, inúmeras formas são possíveis.
Tenho buscado essa prática há um tempo e em determinado momento me dei conta que uma experiência em especial deve ser a mais impossível de todas: sentir e entender verdadeiramente o que é ser e pensar como uma mulher. Essa afirmação poderia ser colocada de outra forma, como sentir o que é ser do sexo oposto, mas independentemente de qualquer preconceito é fato que nos dias de hoje com tantas camadas de desigualdade essa talvez seja a mais genuína por existir desde que surgimos como seres. Foi estabelecida baseada no poder corporal para sobrevivência e proteção perante a natureza selvagem.
Hoje, física e psicologicamente, não daria para empatizar em razão dos nossos organismos tão diferentes, mas deveria ser quase possível socialmente, não? Entretanto, para que essa prática fosse ao menos justa precisaríamos de uma civilidade onde a mulher e o homem tem apenas funções sociais diferentes, mas não desigualmente superiores e inferiores como acontece. É como se o eixo da empatia mulher-homem, e vice-versa, pedisse uma reforma de mentalidade para ser ao menos praticável.
Pode parecer simples notar essa incoerência, mas na verdade para mim, não foi. Na EXPERIÊNCIA DE EMPATIA que a Gabi e eu fizemos – durante a qual viajamos por quarenta países para viver diferentes realidades –, eu parecia me tornar capaz de enxergar cada vez mais os problemas sociais enraizados nas vivências. Entretanto, particularmente essa sutil disparidade de gênero insistia em tentar ser parte normal da nossa socialização em minha consciência, mas não é. Passei a reconhecer esse erro de percepção (ou ignorância) e perceber que nós homens temos responsabilidade de assumir isso.
As consequências disso, contudo, estão no agora. O egoísmo pode ser a base central dos problemas, independentemente do sexo, mas na raiz da pobreza, da falta de acesso à dignidade, alimentação, educação, saúde e moradia mora o desrespeito à mulher. Essa simples ressignificação de valores como respeito e compaixão pode mudar o curso da vida no mundo.
Mesmo um dos maiores dicionários da língua portuguesa, meu Aurélio de 1975 (relativamente recente), ainda atestara sua cumplicidade nessa cegueira social. Segundo ele, o “machismo” é: uma qualidade, ação ou modos de macho; macheza (e nada mais que isso). Enquanto isso, o “feminismo” é: um movimento de ampliação legal dos direitos civis e políticos da mulher; ou a equiparação dos seus direitos aos do homem. É como se ainda não aceitássemos que o machismo é uma dominação desleal, imposta e injusta, mesmo afirmando que as mulheres precisam se mexer pra aumentar e equiparar seus direitos. Exatamente ai entra um aprendizado marcante pra mim, o que o feminismo busca o equilíbrio e não tomar o trono dominante.
Precisamos dessa sensatez ontem. Neste ano, de 2016, ainda existe:
Infanticídio feminino. Em países, como Índia e China, existe o aborto voluntário de meninas. Isso porque em países em desenvolvimento meninos são vistos como mais aptos para trabalhar (especialmente no campo) que as meninas; acredita-se que meninos sempre ficarão na família e poderão sustentar os pais no futuro; para filhas meninas, em muitos casos, é preciso pagar dote para que se casem e passem a ser parte da família do noivo. Na China isso se tornou ainda mais grave com a lei de filho único em 1979, quando a preferência por só um filho menino se fortaleceu, tornando inclusive o exame de ultrassom para descobrir o sexo proibido, anos mais tarde.
Casamento infantil. Em países em desenvolvimento, uma em cada nove meninas se casa antes dos quinze anos. Isso porque em muitos casos há dotes envolvidos, recebidos ou pagos pela família da noiva, de acordo com os costumes. (Fonte: ONU e CARE)
Estupro como arma de guerra. Em países em conflito, especialmente africanos, homens violam mulheres de grupos rivais para tirar sua pureza, possivelmente gerar um filho em seu ventre, ferir a sua honra e de toda a sua comunidade de origem.
Estupro marital. Relações sexuais forçadas, pelo homem, entre cônjuges não é uma ofensa criminal em 127 países. (Fonte: ONU)
Fatos como esses podem nos tornar descrentes da esperança de nos livrarmos de ignorâncias desumanas e covardes, mas o intuito de compartilhar é empatizar e engajar a ação num momento tão delicado como este, no Brasil.
Acho que minha resposta para a pergunta inicial depois do relato deste texto fica clara. Tudo isso me faz pensar que os dias de hoje poderiam ser uma realidade menos avarenta e egoísta, de mais respeito e equânime. E a sua resposta?
Ainda e sempre é possível transformar! E ai, pra quem não reconhece a importância do feminismo, vamos fazer o que?
Para reflexão, lembro de um caso atual e notório que fala por si: Malala, a menina paquistanesa que levou um tiro na cabeça aos quinze anos porque queria ir à escola. Ela sobreviveu e se tornou ativista. No vídeo abaixo, parte de seu discurso na ONU e a campanha que realiza com a Plan International para empoderar meninas pelo mundo:
Felipe Brescancini
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