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Experiência #19 - Omã



A famosa expectativa foi esmagada, para o bem, no nosso encontro com o sultanato de Omã.

É fato que nossa cabeça influenciada pelo bombardeio diário de informações que recebemos passivamente, acaba formando pré-conceitos de tudo. Qual é o conceito da palavra Omã pra você? Pra quem não tem nem curiosidade sobre o que está fora de sua terra natal e nunca foi bem em geografia pode nem saber que é um país, muito menos a sua localidade… Mas que imagem você tem?


No meu caso, mesmo com uma breve pesquisa sobre o nível de periculosidade, o que fazer e onde ficar, eu não esperava nada além daquela imagem de um dos países mais abastados do Oriente Médio. Também tinha em mente ver possíveis exageros do mandante de uma das cinco monarquias absolutas oficiais remanescentes no planeta. Ainda…


A verdade é que estando lá, esses temidos exageros se mostraram ser na verdade um desenvolvimento para todos, porque tudo parece funcionar e existe um cuidado impecável com o patrimônio público. As fotos comprovam.



O sultão Qaboos se autocolocou no poder em 1970 depondo seu pai por meio de um golpe. Desentendimentos familiares… Segundo a ONU, Omã é o país que mais se desenvolveu nos últimos quarenta anos. Imagine então para quem chegou lá direto da Etiópia depois de ter recentemente passado pela também monarquia da Suazilândia. Ambos com uma miséria descarada.


Omã está logo abaixo da Arábia Saudita, tem aproximadamente quatro milhões de habitantes, dos quais quase metade são estrangeiros. Suas principais fontes de riqueza são petróleo e gás, mas não está entre os vinte maiores produtores mundiais. Pelo tanto que pudemos perguntar, ver e sentir, a pobreza não existe. Acredite se quiser. Ficamos a maior parte do tempo em Mascate, a capital, mas andamos pelos arredores e fomos até a antiga capital, Nizwa, para ver com os próprios olhos esse sonho de igualdade social na zona rural. Ainda é difícil de acreditar, mas parece real.


Algumas curiosidades para conseguirmos aceitar a veracidade disso seriam: As casas menos privilegiadas que vimos eram evidentes apenas por pinturas mal feitas, mas tinham ar condicionado; Não se vê lixo nas ruas, apenas lixeiros de moto caçando, literalmente, sujeira; A paisagem na cidade é impressionante com tudo novo, belos jardins, ruas organizadas e excelentes sinalizações; Com menos de quinze dólares é possível encher o tanque do carro, o que mostra que pelo menos a riqueza natural é justamente mais barata para os donos dela. (Vale refletir sobre uma tal de Petrobrás, por exemplo, e alguns fatos vergonhosos sobre ela…); Serviços públicos de educação e saúde funcionam muito bem.



Trabalhos como jardineiro, garçom e faxineiro são usualmente feitos por estrangeiros, em sua maioria de países com grande desigualdade como Índia, Bangladesh, Paquistão e Filipinas. Existem leis que os protegem seriamente, garantindo moradia, saúde e alimentação (subsidiadas pelas empresas). O salário mínimo é legalmente estabelecido de acordo com o custo de vida no país de origem. Acaba sendo uma oportunidade incrível para esses imigrantes que se continuassem em seus países teriam poucas chances de viver com dignidade. O salário mensal para filipinos começa em trezentos e dez dólares, por exemplo, e ainda existe a possibilidade de ascender na carreira.


Conversando com eles, descobrimos que muitos moram em quartos coletivos no local onde trabalham, o que presumi não ser uma moradia exatamente confortável. Isso acontece porque praticamente não existe transporte público dentro da cidade, – inacreditável – o que só consegui crer quando não os vi andando pelas ruas.


Além desses postos de trabalho, eles valorizam e procuram professores qualificados de fora para dar uma boa educação aos omanis, seja acadêmica ou técnica. Esses fatores justificam a grande presença de forasteiros do mundo todo.


Também existem problemas, principalmente por baixo do pano, que não pude saber ao certo em apenas alguns dias. Há traços de corrupção, já que sempre tem um amargurado sem caráter… A cultura de esbanjar segue em alta especialmente para carros barulhentos novos e tristes enchentes acontecem, pois a cidade não foi preparada para tempestades pós-mudança climática.



Do lado cultural religioso eles são em grande maioria Ibadi, uma vertente do islamismo. Eles respeitam as outras religiões, aceitam igrejas no país e a data do natal cristão também é feriado, mesmo não sendo uma data comemorativa deles.


Permitem poligamia, aborto e divórcio. Um fato que eu nunca tinha escutado, é que a primeira esposa precisa aprovar um segundo casamento e inclusive a mulher com quem irá dividir o marido. Nessas situações em que as mulheres não podem se casar por amor e acabam submetidas aos costumes impostos, pode até ser uma vantagem ter uma companhia escolhida por ela e ainda ganhar um tempo livre do marido… Com todo o respeito .


Algo inusitado é que o sultão é divorciado e não se casou novamente, o que me intriga bastante se tratando de um líder com poder absoluto onde a poligamia é permitida. Ainda estou na dúvida do motivo e prefiro não deixar explícita a minha hipótese, infelizmente…


Um costume preocupante é que para preservar a riqueza da família muitos casamentos entre primos acontecem, o que aumenta a probabilidade de filhos com doenças genéticas. É triste esse protecionismo, assim como a ignorante preferência por meninos, que ainda prevalece.

Querendo entender a realidade que o turista não pode ver, também li mais sobre o país. O analfabetismo é de 13% (fonte: Wikipédia) e a questão dos direitos humanos e liberdade de expressão ainda é bem controversa. Especialmente sobre isso é difícil descobrir através da internet e livros, mas há casos de prisões sem justificativa e censura de jornalistas. Ai fica uma dúvida nebulosa – momento de suspense…


O sultão tem autonomia total de poder e por mais que isso soe autoritário sentimos uma visão de desenvolvimento social que não vimos em nenhum outro país pseudodemocrático. Assim ele tem seus méritos, especialmente quando comparamos a nações com ainda mais riquezas naturais, como a Angola, que também tem seu “sultão” no poder há mais de trinta anos e o país é distribuidamente pobre e corrupto.


Contudo, ele esbanja poder e propriedades. Ai começam os meus dilemas… Se o líder foi capaz de garantir serviços, infraestrutura e dignidade para a vida de seu povo, ele tem o direito de ter e usar a renda nacional como quiser?



Ele tem um dos cinco maiores iates já construídos, uma mesquita pomposa com um jardim monstruoso e o parlamento – que não passa de um corpo consultivo, por não ter poder algum – parece uma fortaleza gigante com novos prédios maravilhosos. Faz sentido?


Minha primeira ideia é que por ele ter “resolvido” o país, ele teria o direito de fazer o que quiser com a renda nacional excedente. Mas ai eu lembro que ele se colocou no poder num golpe de estado destituindo o seu próprio pai. Em seguida penso que o trabalho feito pelos estrangeiros desafortunados pode ser uma oportunidade para eles, mas também um uso de mão de obra barata. Por último, ainda existe um sólido problema com direitos humanos.


Minha conclusão preliminar pode ser ranzinza ou utópica demais, mas é minha. Por mais que esse possa ser o caso do líder mais consciente para o bem coletivo, o estimado sultão ainda se rendeu aos prazeres do ter e tem um ego muito sensível por oprimir a liberdade de crítica. Seria sonhador demais pensar que depois de aperfeiçoar a sua pequena parte de terra e água do mundo, chamada de Omã, ele poderia ajudar outras partes de terra da mesma raça – humana – ao invés de embelezar e “afrescurar” seu país? Eu acredito que sim.



Ressalva: esse relato é uma forma de compartilhar as minhas impressões dessa experiência e minhas reflexões. Não se trata de um estudo aprofundado de toda a história e um julgamento da situação atual do país!


O mais magnífico dessa vivência omani é que comprovamos que desenvolver o meio onde se vive nutre a generosidade e a boa educação. Sempre que precisamos de ajuda, fomos gentilmente tratados independentemente de ser menina ou menino (Gabi e eu), o que também prova quão errado é aderir aos preconceitos pregados pelos nãoislâmicos que generalizam toda uma religião. Não é um discurso religioso, só uma evidência que o senso comum seguido por muitos é por pura ignorância intencional de não querer aprender apropriadamente antes de julgar e opinar…


Sentimos isso em especial quando a nossa amiga Vickie Reynecke nos ofereceu uma carona ao ver dois perdidos no meio da rua. Sua gentil atitude só nos salvou umas cinco horas do dia. Mesmo não sendo local, ela mora ali há quase dez anos e transmite claramente a energia de lá. Além de nos apresentar a cidade e nos ensinar bastante durante uma noite que jantamos com as suas irmãs, ela nos deixou uma energia gigantescamente positiva de que generosidade gera alegria espontânea e esperança. Gratidão Vickie!


No fim, nossa busca por inspirações se fez na verdade através de vivências em que pudemos experimentar uma nova e diferente realidade em meio a muitos novos amigos.


Além de tantas reflexões ainda levei uma pequena dúvida no bolso quando sai: O que será de Omã e seus quatro milhões de habitantes quando o petróleo acabar? Bom, não soframos por antecipação, não é?


O pensamento que fica é como encontrar um desenvolvimento social justo, como aparentemente vimos lá, e ainda conseguir o desenvolvimento mental perfeito para entendermos que os vícios do poder de ter são apenas uma realidade artificial que criam dependências.


Felipe.

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