Sempre quis conhecer Israel porque gosto muito de tudo que é diferente e claro que essa terra tem particularidades muitos fortes, especialmente em relação à religião e seus consequentes desentendimentos.
Nos primeiros dias, tivemos a oportunidade de viver uma parte da cultura dessa região que são os kibutz. Eles surgiram no início do século passado, quando a terra ainda era Palestina. O nome kibutz se refere a comunidades judaicas agrícolas que vivem coletivamente da produção do solo e assim compartilhando a renda entre as famílias. Também utilizam conceitos como o de responsabilidade mútua e um comprometimento consciente. Pode-se dizer que têm similaridades com o conceito de eco vilas, só não sentimos uma espiritualidade muito aguçada. Ali se formou uma grande concentração de pessoas mais conscientes do poder e limitações da natureza.
Esse estilo de vida cresceu tanto que hoje existem mais de 200 kibutz e com o passar dos anos diferentes modelos de comunidades se desenvolveram e tristemente, seguindo a tendência global, muitas delas se renderam ao individualismo e abriram mão de regras como a renda compartilhada…
Estivemos no Kibbutz Lotan em Eilat, no extremo sul de Israel, beirando a fronteira com a Jordânia e o Egito. Além de sentir e aprender inúmeros cuidados com o meio ambiente no dia a dia, fizemos parte de um grupo de jovens num curso de agricultura. Mentes abertas com quem nos identificamos bastante e trocamos muitas ideias. Tivemos até o privilégio de apresentar, pela primeira vez, os aprendizados do Think Twice Brasil, até então. Nos sentimos honrados pelo interesse e a carinhosa atenção que nos deram.
Todos os detalhes do trabalho coletivo e meio de vida consciente são inspiradores. Desde os dormitórios ecológicos construídos com fardos de palha, ao uso da energia solar e do biogás feito com restos orgânicos. Amo essas invenções que têm o objetivo de preservar o mundo e não desperdiçar nada. Se pensarmos a importância disso é até óbvia, mas pena que ainda não está na moda…
Eu já admirava esse tipo de construção, mas finalmente aprendi como se faz na prática. O primeiro benefício incontestável é que são quase 100% feitas de materiais renováveis, o principal deles é a palha natural provinda de grãos. Mais incrível é que ainda se consegue por um preço meramente simbólico, até de graça, por não ter uma utilidade para os agricultores. Infelizmente eles chegam a queimá-las depois da colheita pela facilidade, mesmo sabendo que afeta negativamente a biodiversidade.
Observação: como ainda não existe demanda, o preço é justo e a natureza agradece, mas assim que o mercado se desenvolver tenho certeza que os preços subirão, pois a nossa lei econômica manda conseguir ganhar cada vez mais dinheiro sempre que houver uma oportunidade. Não parece um pouco contraditório pensar que à medida que o setor da construção se tornar mais consciente e sustentável com mais gente construindo dessa forma, vai ficar mais caro e desencorajar pessoas a construírem? Money Money Money…
O segundo principal material é a argila, que misturada com areia e água toma corpo e fica no ponto ideal para proteger o fardo e vedar a casa. Os seguintes materiais mais utilizados são estacas de bambu ou madeira para fixar os fardos e madeira para a estrutura, teto, portas e janela. Quer uma construção mais renovável que essa? Estou sorrindo enquanto escrevo isso .
Já contestando um mito equivocado, ao construir corretamente o fardo não pega fogo de jeito nenhum. Para comprovar isso vários testes já foram feitos com chamas tocando a parede da casa (de argila) por mais de três horas sem incêndio. Também precisamos apagar qualquer preconceito arquitetônico, porque é possível fazer casas como com qualquer outro material, só depende de criatividade e tempo pra fazer.
O benefício natural mais impressionante dessa técnica é que esses materiais em conjunto têm uma capacidade de isolamento térmico incomparável. Isso significa que a cada 1 grau Celsius de variação na temperatura externa, apenas 0,1 grau é transmitido para dentro do ambiente. Isso é o que mais instigou a minha admiração por ter sentido esse contraste chocante ao entrar em casas no Quênia e em Omã, que utilizam esse método. Mesmo num dia muito quente o interior da casa estava bem fresco. Lembrando que isso significa que além da natureza dos materiais, essa qualidade pode economizar muitíssima energia de ar-condicionado, ventilador e aquecedor.
Emocionante, pelo menos pra mim!
Vale outra ressalva à menção de economizar, pois já ouvi muitos comentários absurdos quando o desperdício se trata de energia. Muitas pessoas ainda associam essa economia ao dinheiro que o indivíduo deixaria de gastar na conta, mas por obséquio, precisamos espalhar que estamos falando de gastar menos inteligência e tempo. Isso porque para termos energia mais produtiva, barata e acessível para todos precisamos aperfeiçoar o seu uso também e não apenas sua geração. Basta nos recordarmos dos apagões que já tivemos no Brasil e que ainda existem em muitos países como no Zimbábue, onde só tínhamos energia metade do dia quando estivemos lá.
Se continuarmos nesse ritmo que estamos, com o passar dos anos a energia e a água ficarão cada vez mais caras e quem sairá perdendo são os desfavorecidos, obviamente, por terem menos dinheiro. A desigualdade explodiria ainda mais… Mas por ora, para quem não entende essa problemática, vale mantermos “evitar o desperdício = mais dinheiro no bolso”.
Voltando ao kibutz, as inovações não param por ai. Também usam máquina de lavar movida com pedais de bicicleta, forno que funciona com espelhos para reter ainda mais o calor do sol e a incrível parabólica que concentra toda a luz solar num único ponto gerando a mesma temperatura de uma boca de fogão. Claro que por ser num deserto com pouquíssima chuva a eficácia é ainda melhor.
Tivemos muita sorte, pois os poucos dias que estivemos ali também acompanhamos as aulas do instrutor Chaym Feldman que sabe tudo sobre agroecologia. Um passo a mais para aprender tantas teorias de agricultura orgânica e suas diversas frentes. Foram dois dias intensos de trabalho de campo e muitas anotações. O mais maravilhoso desses aprendizados foi entender ainda mais como a natureza se integra por si só e que basta confiar nela. O trabalho do homem para gerar mais alimentos para todos apenas requer respeito e compreensão as suas regras.
Queridos Mark, Mike, Michal e todos jovens parte do curso, muitíssimo obrigado pelos aprendizados!
De volta ao eixo Tel Aviv – Jerusalém, tivemos o privilégio de receber e viver os seguintes dias lá com a ilustre visita dos meus pais e da mãe da Gabi, que tornaram essa passagem da viagem ainda mais divertida! Obrigado família!
Pensando no coletivo , nos rendemos ao turismo intensivo que foi muito agradável e um grande contraste depois de seis meses viajando num formato mais simples hahah. Como já comentamos, não temos um interesse turístico por onde passamos por diversos motivos, mas sempre vale o conhecimento, claro.
Mesmo sendo budista-católico, eu não tinha uma enorme curiosidade de ver, especificamente, os locais históricos de Jerusalém, pois tenho minhas dúvidas em acreditar em tudo o que é dito e que tomamos como verdade… De qualquer forma, estivemos na maioria deles e foi um baita aprendizado valioso para relembrar o que os diferentes livros sagrados contam e o que as religiões pregam. Tenho uma imensa dificuldade em aceitar o que permitimos regrar a nossa vida, sem nem mesmo perguntar, saber os porquês e concordar.
O primeiro impacto foi que apesar das terras ditas sagradas serem geograficamente dentro do país de maioria judaica, existe um domínio disperso de religiões, com muçulmanos, cristãos e ortodoxos. E também de nacionalidades, como palestinos, armênios, etíopes e russos, dentre outros. O mais intrigante é que em alguns lugares protegidos qualquer um entra e em outros apenas os adeptos de certa religião. A famosa lógica do além…
Resumindo, confesso que foi um pouco confuso entender todos os detalhes do que é hoje e impossível memorizar todos os motivos do passado que justificam as leis do presente. Ficou claro que eu deveria ter feito a catequese de novo antes de ir…
Independentemente desses fatores, a vida no país é caríssima, como já tinham me dito. O turismo é gigante lá, o que implica numa certa malandragem tradicional de extorquir o máximo de dinheiro possível dos forasteiros. Não é um preconceito, pois, por exemplo, as duas vezes que conferi a conta do almoço vi valores a mais. Ao reclamar o Jonas fez aquele “aaah, ok” e deu o dinheiro de volta…
A negociação mais desrespeitosa que já passei em toda a viagem, talvez na vida, aconteceu lá. Pela soma do desrespeito, à ignorância e futilidade… No mercado da cidade velha de Jerusalém, em plena barganha o senhor vendedor chegou ao seu preço mínimo e por algum surto rabugento começou a dizer que aquilo era de melhor qualidade mesmo e ele vendia naquele valor porque só toma a bebida x e dirige o carro y. Se referindo a uma marca de uísque cara e uma de carro caríssima… E falando sério… Imagina a minha reação? Por sorte eu não estava armado (desde que nasci) e só saímos da loja com gentis palavras de vergonha alheia e desrespeito, mas foi tudo bem. Preferi nem olhar na cara dele, pois não sei o que faria além de mandar um beijo. Estou chocado até hoje…
Talvez isso seja uma causa da conscientização de proteção em alta desde que passaram a ter essa terra em 1948. Vimos jovens do exército armados com metralhadoras em todos os lugares e no sul escutamos caças voando em treinamento todos os dias. Todos são obrigados a fazer o exército aos 18 anos ou logo após a escola, meninos por três anos e meninas por dois. Naturalmente não existe aquele esquema de dispensa festa da uva que é no Brasil. Mas ali a aspiração por ser militar é totalmente diferente, tanto é que escutamos mais de um caso de jovens judeus de outras nacionalidades que foram morar em Israel só para se alistarem no exército. Cada um cada um, eu respeito, mas é fato que essa adoração poderia ser voltada para a paz, ao invés de se preparar para o confronto.
Aprender é uma evolução constante e todos nós temos defeitos, mas parece que o orgulho e o poder continua nos cegando do instinto do certo ou errado. Com toda a minha positividade continuarei torcendo pela solução de paz entre os países ali.
Bom, queria muito ter ido para Israel e certamente valeu a pena, se não ficaria na eterna dúvida. Viva as diferenças e não cabe a nós julgá-las. Apenas como medito para amar todos por igual, desejo isso a eles, aos povos em volta e aos do mundo. A única humilde dica que posso dar é que esqueçam o orgulho, o passado, perdoem a si e aos outros. Só o futuro está por vir e só o amor faz bem. Todos sabemos.
Felipe.
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