Quer saber quem é você? Respire e observe!
Dentre os muitos planos dessa viagem fazer um retiro era fundamental pra mim. Especialmente na Índia por sentir uma atração diferente pela energia de lá.
Para contar sobre ele, comecei pelo significado da palavra retiro. Gostei de um que define como um local afastado da conversação e vida social para descansar a mente. Perfeito, só a distância da sociedade e das pessoas pode realmente nos descansar, bem irônico isso… Ai procurei ver o significado da palavra “meditar” e uma boa forma de explicá-la é que se trata de uma autocontemplação à mente, a do meditador claro.
Existe uma técnica de meditação em particular que já tinha escutado, mas nunca tinha praticado que se chama Vipassana. Sabia que é mais extrema, só não sabia o quanto, mas estava totalmente ciente e disposto a me entregar. Pra mim mesmo!
O intenso desse método é que são onze horas diárias de autorreflexão, sem contato algum com o mundo externo, nem por leitura, e inclusive sem qualquer interação com os demais participantes no centro de meditação. Fica proibido se olhar, gesticular e encostar. Também prevalece o silêncio total. Tudo isso por dez dias numa estrutura muito simples, cama dura, comida local vegetariana e banho frio com nove graus lá fora (outros foram quentes, pois me entendi com as canecas).
Eu poderia tentar explicar todo o conceito da técnica, mas ao invés disso vou contar um pouco do que aprendi nesses dias em conjunto com outras ideias que eu acredito.
Qual a maior causa das nossas infelicidades? Eu diria que os diversos tipos de sofrimentos psicológicos que criamos. Na verdade eles são gerados e multiplicados pelo nosso pensamento estimulado por infinitas formas externas. A raiz dele está sempre na mente, porque mesmo qualquer sofrimento corporal é sentido pela mente que cria reações. São externalidades porque hoje somos um corpo que está em constante contato com tudo que está fora dele, sejam objetos ou ações de outrem.
Esses fatores externos são absolutamente fora do seu controle e desde o primeiro dia nessa vida você pondera o bom e o ruim de acordo com eles. Exemplos: se a comida tem um sabor que você gosta ela é boa; se o ambiente é agradável segundo os padrões que você foi ensinado você curte; se as pessoas a sua volta são do jeito que te agrada você se sente bem; e se você tem as coisas que você queria (por motivações desconhecidas na maioria das vezes) você está feliz.
Essas externalidades, objetos e situações são captados pelos nossos Sentidos, visão + audição + olfato + degustação + toque + emoção, que geram uma Sensação que é interpretada pela nossa mente, consciência, que gera uma reação e seu respectivo Sentimento. Vários S’s: sentido, sensação e sentimento. Em resumo, o externo ponderado pelas sensações do corpo e compreensão da mente rege nossos atos e decisões da vida através dos sentimentos.
É bem simples, basta você se lembrar de uma situação qualquer e você os sentirá. (Tente alguma mais marcante, ai os sentimentos são mais facilmente notáveis). Essa reação por atos é um ponto chave, pois é responsável pelas decisões que tomamos a cada segundo e ditam nosso rumo. Desde querer tomar água ou não a querer comprar uma casa ou não.
O grande risco desses sentimentos gerados são os dois lados da vida, o bom e o ruim. Porque sempre que algo agradável acontece temos uma tendência natural a gostar, querer mais e precisar frequentemente para estar bem. Quando algo é desagradável não queremos mais, temos um desgosto para que nunca mais aconteça. Assim, condicionamos nossa felicidade a essa dependência do desejo de ter esse algo bom sempre e da aversão a nunca ter esse algo ruim.
Até ai tudo bem? Somos condicionados ao externo para ser feliz.
É uma conclusão dura que demonstra que nós mesmos escolhemos viver na angústia da nossa mente, naquele dilema de querer e desquerer. Por livre arbítrio. Mas calma, nossa mente é quem somos, não desistamos nunca, quem cria essa perturbação são os pensamentos dela que se alimentam desses fatores. Eu digo que ai entra um grande primeiro passo, o de aceitar essa realidade que vivemos. Assim o fiz.
Ao admitir essa verdade absoluta, reconhecemos que ser o mestre da nossa mente é o que controla a vida. Sei que soa como título de “autoajuda”, mas o que significa isso? Basicamente se conhecer profundamente e se perguntar os seus porquês. Você acredita no propósito do seu trabalho? Você sabe porque tem a intenção de ver aquilo na televisão? Você saboreia o que come ou come pra sobreviver? É querer se entender com sabedoria, utilizando seus conhecimentos inteligentemente.
Você pode observar esses pensamentos num exercício simples de parar de pensar por cinco minutos. Já vai perceber que tentar pensar em nada é bem difícil, mas sente num local quieto e tente pensar em nada. Você consegue claro, mas a cada segundo aparecerão pensamentos variados que dominam a sua mente. Eles são agradáveis ou desagradáveis, passados ou futuros. Note ai que cada um desses pensamentos que veem à mente são a base de memórias que já aconteceram ou imaginações do que pode acontecer. Cada um deles carrega seus sentimentos e sensações. Exemplos: uma memória triste de uma discussão grosseira pode carregar um sentimento de raiva que acelera seus batimentos cardíacos; um sonho futuro de férias numa praia pode carregar um sentimento de alegria que relaxa o corpo e te faz sorrir.
Nessa simples prática você mesmo pode sentir que o nosso presente, o seu agora, vive em ilusões, como prazeres do passado, medos futuros e angústias eternas. Assim nesse momento você não está curtindo a realidade, não está ali naquela situação, você só está vivendo o irreal. Não parece basicamente burro? Eu faço esse exercício sempre e dou risada quando de repente estou pensando e pensando sem nem me dar conta e me digo “hahah bobo, ok, agora volta pra mentalização”. Não é uma catástrofe se lembrar de uma memória ou pensar num plano para o ano que vem, mas é uma irrealidade ficarmos reféns desses pensamentos o tempo todo.
Isso não passa de um raciocínio para explicar como ainda me vejo vivendo. Se ainda acha teórico demais tire só uns minutos de silêncio pra você e verá. É natural que uma tempestade de pensamentos brotem. Desde coisas muito simples como “não posso me esquecer de comprar frutas amanhã” ou “que camisa maravilhosa eu ganhei”, como outras mais graves como “qual carro eu preciso comprar no ano que vem” ou “que sacanagem aquele amigo fez comigo”. Cada um desses pensamentos carregam um turbilhão de sensações. Imagina se você parar para analisar cada um sempre que vierem à cabeça? Você pode ter muito trabalho a fazer hahah, então tente apenas voltar para o silêncio. Eu confesso que eu ainda fico tentando entendê-los e fico nesse ciclo por uns bons minutos… Realmente não vale tentar.
Um detalhe elementar que esse exercício mostra é que essas sensações são todas impermanentes, estão em constante mudança. Você se lembrará disso, vem a sensação, ai você lembra daquilo com outra sensação e assim sucessivamente. O que significa que realmente não são do momento, são ilusões que vem e vão sem parar e evidenciam um motivo a mais para se purificar.
Aaah purificar a mente, é essa a grande chave da meditação. Você, sozinho, unilateralmente, por livre e espontânea vontade busca se conhecer e limpar todos esses sofrimentos condicionadores da felicidade. Mas pra quê todo esse esforço? Acho que uma resposta, por mais óbvia que pareça, seria para viver melhor.
Isso estimula a consciência e equanimidade como princípios chave. Estar ciente da sua mente e corpo com equilíbrio para não reagir a essas sensações. Independente de qualquer definição isso é uma arte para viver. Além da metodologia para praticar, não existem muitas regras específicas, mas por sermos reféns da nossa própria ignorância, é relembrado que vale seguir alguns mandamentos do Budismo. Isso porque essa técnica foi criada pelo Buda mais conhecido, Sidarta Gautama, mas não aborda a religião em si. Esses preceitos são beeem básicos e é triste concordar que temos sim que relembrá-los.
Os mandamentos: não matar nenhum ser, não roubar, não mentir, não se intoxicar e não praticar má conduta sexual. – Então se quiser participar, para com a mentirinha de desculpa, sem matar moscas e corte a cervejinha. – Vou presumir que os demais preceitos você já pratica…
A verdade é que, na minha opinião, cada um com suas crenças e momentos, mas independentemente da ordem, começar apenas praticando o silêncio e meditando é um baita passo para o autoconhecimento. Essa pureza e paz de espírito, com certeza, são capazes de erradicar o sofrimento irreal de cada um e nos colocam no caminho da realização. Eu acho.
Pra quem acredita numa força universal, como eu, é natural pensar que com todos indivíduos conscientes e livres das angústias e ignorância da mente uma harmonia perfeita nasceria para o mundo. A conduta do nosso convívio social seria correta e justa, largaríamos o egoísmo, o desrespeito e o “não me importa”. Imagina!
Bom, para conhecer mais sobre essa ou qualquer técnica de meditação basta querer e ir atrás. Aqui recomendo um retiro que fiz no Nepal há alguns anos, se chama Kopan. É da mesma doutrina do que a Gabi fez na Índia agora, o Tushita. Ambos também ensinam a filosofia do budismo. O Vipassana que fiz em Dharamsala tem no mundo todo, inclusive no Brasil a algumas horas de São Paulo. Ah, é de graça, você contribui como puder no final. Hummm, acho que a autodesculpa de não tenho dinheiro e tempo pra viajar de avião já era…
Kopan – http://www.kopanmonastery.com Tushita – http://tushita.info Vipassana – https://www.dhamma.org
Para ler a experiência do retiro da Gabi clique aqui.
A vida é sua e as escolhas também! Se entregue, pra você!
Felipe.
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