Passamos por um terceiro país, uma nova cultura, história e suas pessoas. A verdade é que notamos, o que presumíamos saber, que começamos pela região africana mais desenvolvida, países melhores para viver, parte integrante da sociedade moderna. Claro que com seus carros importados novos e uns quase parando, casas gigantes e barracos, bairros impecáveis e outros sem sequer eletricidade… Ainda não conseguimos fazer uma pesquisa profunda sobre a história da colonização dos cinquenta e quatro países africanos, mas existem ao menos dois denominadores comuns entre os que já conhecemos – África do Sul, Botsuana e Namíbia. Há uma grande influência dos seus colonizadores (Inglaterra, Holanda e Alemanha) e as riquezas naturais ainda muito valiosas, os diamantes. Vale ressaltar que esse segundo fato não é necessariamente bom, ao recordarmos das infelizes guerras civis em Serra Leoa e Angola em razão desse minério…
Ou seja, o ponto de abertura desse texto é para destacar que a realidade que tivemos o prazer de conhecer não representa exatamente a maioria do continente. Uma das cidades em que estivemos, Windhoek, é a capital da Namíbia. Sua população é pequena, assim como em todo o país, No total são pouco mais de dois milhões de habitantes, a segunda menor densidade demográfica do mundo. O povo é bastante pacato, a cidade é bem organizada e tem um ambiente com uma clara influência alemã. Tivemos a oportunidade de estar em suas ruas do centro em um feriado nacional (Dia dos Heróis – 26 de agosto) e nos sentimos parte de um filme de ficção, já que estava tudo absolutamente deserto.
A verdade é que para desconhecedores ela nos surpreendeu, mas naturalmente não deixamos de procurar as áreas menos favorecidas para conhecer pessoas e entender melhor seus desafios. Umas dessas regiões se chama Katutura, uma township muito próxima à cidade que lembra bastante Soweto. Principalmente porque ambas foram parte do Apartheid em razão de a Namíbia ter ficado sob o controle da África do Sul por boa parte do século passado. Ela tem suas áreas melhores e piores, mas novamente vimos muitas pessoas vivendo em condições extremas.
Por diversas conversas que tivemos entendemos que o país teria condições financeiras para resolver as desigualdades, mas como em quase todos os casos, o foco se perdeu… Ouvimos frustrações constantes por isso. Um exemplo gravemente ridículo foi quando o governo se preocupou em fazer uma nova residência presidencial por alguns milhões ao passo que para ajudar a manter uma criança órfã ele concede um dólar por dia… Não é preciso lembrar que, hoje, em qualquer país isso não dá nem pra comprar comida para um bebê, ou seja, pedem aos orfanatos a missão impossível de criar uma criança e atender a todas as suas necessidades básicas.
Com o pensamento positivo, coisas sempre acontecem em nosso favor e assim conhecemos o Nicholas Menner no consulado da Angola por lá. Também tentando o milagroso visto, uns dizem que é o mais difícil. Ele é um australiano que tem uma experiência incrível de ter viajado o mundo por cinco anos. O conhecemos em sua etapa africana e ao nos contar sobre a sua passagem por Windhoek, soubemos que ele foi voluntário no orfanato Dolans House. Lá vivem dezesseis jovens que perderam suas famílias ou tiveram que ser retirados delas.
Infelizmente não pudemos conhecer melhor a história da fundadora, a Dona Rosa, porque nossas agendas não se encontraram. Ao menos tivemos a oportunidade de ir até lá, onde conhecemos a criançada e brincamos com a Dolores e o Johnny, energia pura… O ambiente é muito aconchegante e parece ser uma diversão sempre. Deu muito entusiasmo ver de perto o resultado da ação de uma pessoa que por conta própria resolveu cuidar de crianças que precisavam de um lar e de amor! Só disso!
Quero muito falar de mais pessoas incríveis que conhecemos, mas antes disso um episódio interessante. Mesmo sendo o inglês um dos idiomas oficiais, nem todos falam muito bem, por isso demoramos para conseguir algumas informações sobre transportes e como encontrar comunidades. E talvez porque as pessoas para quem pedimos ajuda não pareceriam querer ajudar tanto – na tentativa de acreditar que só tivemos azar…
Ao irmos a uma agência em busca de informações, fomos recebidos com muita gentileza e atenção e tivemos todas as nossas dúvidas esclarecidas. Claro que no contexto atual, isso pode parecer um detalhe minúsculo, mas acredite que para alguém com um breve TOC organizacional (eu) incomodava muito não ter informações claras para decidir nossos próximos passos. Quando saímos de lá nos sentimos positivamente impactado – significativamente – pela gratidão por termos passado dez minutos com alguém educado, preparado e com muito boa vontade para ajudar. A famosa generosidade após uma sequência de falta de bondade.
Em umas das buscas, soubemos do projeto Penduka que atua com mulheres de Katutura. Lá fomos muito bem recebidos pela Taimi Benjamin que gerencia o escritório e a fábrica. Ela gentilmente nos mostrou tudo o que fazem e nos contou a história da organização, que há 20 anos criou um modelo para profissionalizar mulheres da região a fazer diversos artesanatos. Dois fatos fundamentais é que em primeiro lugar se valoriza muito o lado criativo das mulheres para fazerem do seu jeito, o que lhes dá uma identidade. E também desde o começo houve uma rede de venda fora da Namíbia através da sua fundadora estrangeira, o que garantiu e garante até hoje uma renda real contínua para elas. O que permite e elas dedicar tempo para a família, pois não precisam ficar horas intermináveis em feiras de rua para vender, o que é um trabalho árduo e não exatamente produtivo.
Nessa experiência além da inspiração da missão da Penduka, ficamos ainda mais entusiasmados em conhecer a visão de prosperidade da Taimi. Conversando sobre o futuro, muito além de pensar em criar uma empresa de “sucesso” para acumular mais dinheiro para si, ela acredita que existem formas de desenvolver modelos de negócio capazes de gerar mais emprego. O que, para ela, significa ter uma missão muito além de ser lucrativo, mas criar mais posições buscando distribuir melhor a renda ao invés da busca alucinante por aumentar os ganhos com cada vez menos gente (o que alguns chamam de capitalismo tradicional…). Em minha opinião é esse tipo de princípio que combate diretamente à desigualdade social absurda que existe em todos os países (sim, arrisco dizer todos).
Pronto, eu não podia querer ouvir nada mais inspirador que isso, ali, naquele momento, longe de casa, em um país que eu nem sabia como era. Isso me dá muita esperança, pois indica claramente que há gente ai pelo mundo que já entendeu que nosso capitalismo em sua economia linear e consumista não faz sentido lógico ao pensar que somos apenas sete bilhões… Infelizmente isso ainda vai no sentido contrário ao que os bem-sucedidos e vitoriosos de hoje acreditam. Coitados, de todos nós…
Através do Nicholas também conhecemos a Claire, que trabalha num albergue e apoia alguns projetos do bem. Fomos muito bem recebidos por ela, que ao nos contar sobre um dos projetos que conhecia, nos fez sentir por suas palavras que conheceríamos uma pessoa muito inspiradora. Suspense… … Ao chegar à casa da Monica Imanga tivemos um primeiro choque de cara: uma senhora negra com um sorrisão tão forte e uma simpatia tão viva que dá alegria toda hora que lembro. Quando ela começou a nos contar o que criou, seu sentimento de realização era notável. Em 2007, após perder sua filha para a AIDS, ela sentiu que precisava fazer alguma contribuição pelos outros, o que talvez fosse uma forma de reagir para que nenhuma criança passasse por tanta dor como viu sua filha passar. Assim decidiu começar a sua “Cozinha de Sopa”, como chamava, para nutrir crianças da região de Katutura que não tinham nada, nem famílias muitas vezes.
Ela de longe não era rica, mas conseguiu o apoio de uma amiga para começar e logo no primeiro dia alimentou quarenta e cinco crianças. Sua ação cresceu e conquistou muitos fãs de fora do país que contribuem até hoje para manter o projeto. Hoje, sete anos depois, o projeto Home of Goodhope alimenta 500 crianças por dia. Acredita? E não se trata de dar uma refeição qualquer, ela garante que recebam vitaminas essenciais e que frequentem a escola. Ciente da importância da educação, ela conseguiu inclusive dar escola, materiais e necessidades básicas para algumas crianças também. Emociona? Generosidade espontânea é assim, dá alegria e nos faz repensar.
A melhor parte deixei para o final. Ao perguntarmos qual seria o seu sonho, Monica nos respondeu, com sua risada naturalmente carismática, que desde menina pedia a Deus para não se casar e para apenas cuidar de crianças. E hoje ela vive assim, cuidando de meninos e meninas o tempo todo. Concluiu: “Estou vivendo o meu sonho”.
Nosso exemplo em pessoa de quando propósitos transformam realidades.
Muito obrigado a todos que participaram dessas experiências e inspirações!
Divirta-se!
Felipe.
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