Depois de dias intensos e divertidíssimos no Vietnã, chegamos à Kuala Lumpur, capital da Malásia, e tomamos um choque ao encontrar novamente uma cidade cosmopolita, cheia de vida, prédios altos, trânsito e muito luxo.
Estima-se que a população do país seja de mais de trinta milhões de pessoas, cuja maioria se divide entre malásios, chineses e indianos. A religião oficial reconhecida pelo estado é o islamismo, mas além da previsão legal que autoriza a prática de outras religiões, andando pelas ruas pudemos notar que todos parecem coexistir e tolerar as diferenças com bastante facilidade.
A economia do país está em plena ascensão, assim como o turismo que atrai milhões de pessoas todo ano para conhecer as Petronas Towers, considerada um dos prédios mais altos do mundo.
Mas por trás de todo esse glamour estão as histórias que a gente vai atrás e acabam revelando um lado muito mais humano que se sobrepõe à impessoalidade e à individualidade que encontramos em cidades grandes como Kuala Lumpur.
Esse é o caso da Tanma Federation, uma organização sem fins lucrativos que empodera mulheres refugiadas de Mianmar através do treinamento, produção e venda de artesanatos.
A Malásia começou a receber refugiados na década de setenta, com a guerra do Vietnã. Depois chegaram filipinos, cambojanos e birmaneses. Hoje se estima que são mais de duzentos mil refugiados e exilados no país, que não possui legislação específica para o assunto e considera essas pessoas imigrantes ilegais e sujeitos a duras penalidades.
Por isso a Tanma começou a atuar com a intenção de reunir mulheres refugiadas em grupos de trabalho e aprendizado. Através da venda dos produtos e parcerias com empresas e grupos estrangeiros, o projeto permite que as mulheres consigam uma renda mensal capaz de arcar com as despesas básicas da família. Além disso, enquanto elas trabalham na produção dos artesanatos, as crianças podem frequentar uma escola especialmente criada pra elas e que também recebe suporte da ONU Refugiados.
Nos despedimos dos prédios modernos e imponentes da Malásia para dar oi às invenções megalomaníacas e harmoniosas de Singapura, uma pequena ilha no sudeste asiático com uma população de pouco mais de cinco milhões de habitantes.
Em 1965, por inúmeras discordâncias políticas e ideológicas o país se tornou independente da Malásia, passando a denominar-se República da Singapura. O Sr. Lee Kuan Yew assumiu o cargo de primeiro ministro e se comprometeu a fazer de Singapura uma potência mundial e pioneira em inovações. Ele é bastante aclamado pelo povo e sua tendência autoritária parece não ter assustado muito os cidadãos, que após o seu falecimento receberam gentilmente o seu filho mais velho como sucessor do governo.
Por tudo que vimos e aprendemos por lá, dá pra confirmar que ele parece ter atingido seu objetivo. Além de ser considerada uma das maiores potências econômicas, o país é a porta de entrada, no sudeste asiático, para investimentos financeiros e lançamentos de tendências.
Mas qualidade de vida da população e a igualdade social nem sempre se medem por esses índices (do contrário, Angola, uma das maiores produtoras de petróleo do mundo, não teria um cenário aparente de miséria e abandono). Sabendo disso, fomos mais a fundo para compreender o momento real do país e com a ajuda do querido casal brasileiro, Priscila e André, pudemos enxergar pelos olhos de quem mora por lá. Também deu pra matar um pouco das saudades do abraço apertado bem brasileiro.
Pelo que observamos nas caminhadas e conversas, os serviços públicos parecem funcionar bem e ser acessíveis à população. Não vimos situações gritantes de desigualdade social, mas sabemos que ela existe. Inclusive, um traço forte do governo é deter o controle da mídia e dos meios de comunicação, o que torna bem mais fácil transmitir só as notícias que endossam a atuação do estado e fazem as pessoas crerem que vivem em um paraíso sem problemas.
Outro dia eu estava refletindo sobre como seria viver em um país em que não há pobreza, desigualdade e falta de oportunidades, pelo menos não aparente à primeira vista. Dentre meus vários pensamentos, cheguei a concluir que deve ser muito mais difícil para um cidadão desse país engajar-se em alguma causa social, simplesmente porque ele não as enxerga no seu dia a dia. Isso porque, se no Brasil já é difícil engajar boa parte da população que convive com os opostos e a desigualdade a cada esquina, imagina pra quem mora em Singapura…
Eu costumo dizer que nossa casa é o nosso mundo e me parece muito individualista viver submerso nos problemas – ou privilégios – da sua própria vida ou do seu próprio país. O mundo grita por soluções de todos os lados e deveríamos nos sentir parte delas também, independentemente de onde estejam e de quem se beneficie.
E foi nesse país, onde tudo parece funcionar em perfeita sincronia e eficiência, que conhecemos Christine Amour-Levar, uma das fundadoras do Women on a Mission (“Mulheres em uma missão” – tradução livre), que nos trouxe esperança de que gente do bem está mesmo espalhada por todo lugar.
O Women on a Mission foi criado por três amigas que moravam em Singapura e resolveram mobilizar suas redes e levantar fundos para causas relevantes ao redor do mundo. Como a própria Christine diz, a ideia é incentivar as mulheres a saírem de suas bolhas e apoiarem uma causa. Se não bastasse, elas agregaram ao projeto a paixão por aventuras e organizam grupos de mulheres para escalar o Everest ou fazer um trekking na Sibéria. Eventos e encontros também acontecem, sempre com o propósito de destinar os recursos às causas que suportam. Pra que ama se desafiar, o Women on a Mission te ajuda a se aventurar pelo prazer de mudar a vida de alguém que já vem se desafiando diariamente.
Foi ai que eu percebi que pra fazer algo por nós mesmos, pelos outros e pelo mundo, mais do que enxergar, a gente precisa mesmo é sentir. Sentir que dá pra fazer diferente, dá pra ser diferente e simplesmente se lançar nisso.
Enquanto tem gente procurando desculpa pra não sair da bolha de conforto (ainda que essa bolha nem seja tão confortável assim), tem gente agindo em benefício de quem os olhos sequer conseguem alcançar. Prova de que pra contribuir, você precisa gastar mais tempo buscando soluções do que apontando os problemas.
Enfim, todo dia é dia de começar algo novo e abrir os olhos de verdade. Só precisa furar a bolha e respirar o ar puro de quem descobriu que veio ao mundo para fazer mais do que viver pra si mesmo.
Obrigada de coração à Helene que nos apresentou o trabalho da Tanma, à Pri e ao André que nos acolheram e ensinaram sobre Singapura e à Christine que nos mostrou que agir pelo coração alcança longas distâncias.
Gabi.
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