Chegamos à nossa última parada antes de voltar pra casa, Seul, Coréia do Sul. Frio na barriga, por enquanto não… muito menos a sensação de que em uma semana nossa missão estaria cumprida, pelo menos por ora.
O aeroporto já me deu a sensação de que a Coréia do Sul, definitivamente, em nada tem a ver com a do Norte. E senti uma certa alegria ao perceber que, por ter vivido os dois lados, eu teria liberdade para formar minha opinião sem tantas informações conduzidas e sensacionalismo.
Ao sairmos do metrô nos deparamos com uma cidade imensa, muitos carros, pessoas com pressa, lojas, shoppings, restaurantes e propagandas por toda parte. Do alto da escadaria eu fiquei alguns segundos observando aquilo tudo até cruzar o olhar com o que estava bem à minha frente: dezenas de moradores de rua.
Confesso que essa visão me marcou profundamente, muito pelo fato de eu não ter encontrado nada parecido no lado norte e também por me fazer refletir sobre o preço alto do que chamamos de desenvolvimento.
Seguimos caminhando e ainda pensativa recebi gratuitamente gentilezas de mais de uma pessoa, que ofereciam ajuda para encontrar a rua que procurava ou simplesmente se colocavam à disposição. Foi quando me lembrei que também não encontrei isso no lado norte, talvez pelo receio das pessoas de estabelecer um contato com estrangeiros. Conclusão? Todo e qualquer país terá seus pontos positivos e negativos, isso é inegável. Não existe um lugar completamente perfeito e vice-versa. Cabe a nós conseguirmos priorizar o que realmente nos importa como seres humanos, ainda que às vezes a gente pareça passar longe dessa condição.
Os dias seguiram sendo muito agradáveis e acolhedores, o que também nos permitiu concentrar nossas energias em preparar a cabeça e o coração para encerrar essa jornada.
Seul é encantadora e nos dá a impressão de que tudo funciona, mesmo sabendo que nunca é bem assim…
Decidimos então visitar o lado sul da DMZ (“Delimitarized Zone” – Zona Desmilitarizada), que é o espaço da fronteira com a Coréia do Norte, que já conhecíamos. Há quem a considere a área mais perigosa do mundo e toda visita é organizada em torno disso.
No caminho paramos na ponte da liberdade, que fica a poucos quilômetros da DMZ. É uma ponte que une os dois lados e também nos deixa a sensação de que a reunificação parece ser bastante esperada pelos sul coreanos. Fitinhas coloridas e mensagens de paz enfeitavam o mesmo muro equipado com arame farpado. Por óbvio, havia um mini shopping, com lojinhas de souvenir, gelatos, fast food e pasmem: um parque de diversões infantil. Tinha até roda gigante… um tanto inusitado para um lugar cujo risco de um ataque nuclear é supostamente iminente.
Chegando à DMZ, o processo foi muito mais burocrático e assustador do que no outro lado. Nossos documentos foram checados mais de uma vez até sermos transferidos para um micro ônibus da ONU, acompanhado por militares americanos.
Inclusive, esse é um ponto bem curioso. Pelo que notei, a DMZ do sul é controlada pelos Estados Unidos e ainda que isso não fosse uma novidade pra mim, foi interessante perceber que parece, de fato, existir uma certa hegemonia dos EUA sobre a Coréia do Sul.
Uma prova engraçada disso, é que assim que chegamos ao prédio que marca a divisão do território, existia uma lojinha escrito “Military Discount” (Desconto Militar) onde eram vendidos souvenires dos dois países – Coréia do Sul e do Norte, mas também uniformes militares, bonés e faixas. Como sempre, a lojinha estava cheia de gente, ainda que supostamente estivéssemos em um dos lugares mais perigosos do mundo. Todos alucinados com as promoções do dia hehe mesmo se elas fizessem apologia à guerra.
Antes de caminhar até a fronteira, tivemos inclusive que assinar um termo de responsabilidade, no qual reconhecíamos ser inteiramente responsáveis por nossa vida em caso de um ataque inesperado ou algo do tipo. Confesso que sou meio desconfiada, mas nem deu pra ficar tensa… parecia mesmo uma armação combinada até com o próprio inimigo.
Enfim, entramos, conhecemos, tiramos foto com os militares imóveis, que mais pareciam bonecos de cera, e voltamos pro ônibus da ONU. Tudo muito “perigoso”, mas muito tranquilo também.
Talvez porque a sensação do “lado de cá” é a de que esse climão todo não passa de uma briguinha de irmãos, sabe? Daquelas que a gente sofre, xinga, chora e se afasta, mas queria mesmo era voltar a ficar junto, dividir o balde de pipoca e zuar a mamãe. Eu espero, sinceramente, que isso aconteça muito em breve.
Enfim, a Coréia do Sul nos acolheu com o carinho e o realismo que precisávamos para preparar a volta pra casa. E a sensação de que não importa o quão diferentes somos uns dos outros, se houver vontade, a gente se junta por algo maior. E melhor.
Gabi.
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