pois de uma semana intensa em Angola partimos para o Reino da Suazilândia, um país quase dentro da África do Sul com pouco mais de um milhão de habitantes.
É uma das cinco monarquias absolutas do mundo (as outras quatro são Brunei, Catar, Omã e Arábia Saudita) e ainda admite a poligamia. Ainda assim, o Fe continuou a viagem comigo…então, acho que é mesmo amor de verdade.
De acordo com a UNAIDS, 26% dos Swazis entre 15 e 49 anos são portadores de HIV/AIDS, o que coloca o país na lista dos mais afetados pelo vírus. Importante lembrar que o alto índice de contaminação está diretamente relacionado ao fato de a poligamia ser cultural e legalmente aceita pela população. Não é a toa que o número de mulheres portadoras de HIV é assustadoramente maior do que o número de homens.
Por lá, passamos tempo suficiente para viver algumas boas experiências, incluindo dividir o quarto com uma barata e um ratinho (pra parecer mais fofo e meus pais não me obrigarem a voltar pra casa). Mas estamos na África, né gente ? Barata e ratinho tá até tranquilo perto do que achei que pudesse encontrar (quem me conhece sabe do meu pânico de cobras e da extensa pesquisa prévia que fiz sobre “o que fazer se eu for picada por uma mamba negra”).
Além desse contato intenso com a natureza, também tivemos a chance de conversar pessoalmente com um antropólogo e especialista na história do país. O papo que tivemos com ele foi fundamental para entender a dinâmica das pessoas, da economia e da política.
Ficou claro que o sistema de monarquia imposto à população traz consequências bastante sérias para o país e boa parte disso ocorre porque o rei não conhece a realidade do seu reino. Em uma monarquia absoluta, como acontece por lá, o rei tem poder supremo, manda e desmanda sobre qualquer assunto e a qualquer momento. O X da questão é que sua “equipe”, que supostamente deveria aconselhá-lo e orientá-lo, parece não ter lá tooooooda aquela liberdade para falar algumas verdades, sabe?
No final, pra evitar que o rei se zangue e aplique alguma punição ao “sincero” e sua família, a melhor alternativa é simplesmente dizer que está tudo bem…sempre.
Inclusive, Rei, se você estiver lendo isso, sugiro uma visita às comunidades rurais do seu país. Tem muita gente boa por lá, mas também tem muuuuita pobreza. E não adianta querer me punir, porque quem avisa amigo é e se ninguém te contou isso até agora, é melhor rever suas amizades (viiiiiish).
– Pausa para solicitar reforço na segurança – hehe
Mas mesmo com todas essas dificuldades, tivemos a chance de conhecer um negócio social de encher o coração de esperança. O Gone Rural Swaziland.
Tudo começou em 1970, quando a fundadora, Jenny Thorne, abriu uma pequena loja para vender artesanatos, roupas e livros anti-apartheid. O negócio foi crescendo e ela enxergou uma incrível oportunidade de aproveitar uma das matérias primas mais abundantes da região – grama – e transformá-la em lindos artesanatos. Trata-se de uma grama especial, que mais se parece com capim.
Foi quando, em 1992, a Gone Rural nasceu com o propósito de empoderar as mulheres e dar a elas uma voz. E para isso, Jenny criou um modelo de negócios que permite às mulheres que vivem em zonas rurais, obterem uma renda mensal capaz de mudar completamente suas realidades.
O processo é simples. As mulheres colhem a grama de uma região montanhosa necessária para a produção e periodicamente recebem a visita dos funcionários da Gone Rural, que fazem a pesagem do material e a entrega da grama especial, que já passou pelo processo de coloração e está pronta para ser transformada em lindas peças. A composição das cores é predeterminada e depois de prontos os produtos ainda passam por um teste de qualidade.
Na produção também são utilizados materiais reciclados e toda a matéria prima é extraída e processada pensando no meio ambiente. Mais consciente e ecologicamente responsável impossível.
As mulheres recebem pela venda da grama e, posteriormente, pelo produto final. E se não bastasse, elas também recebem aulas sobre micro finanças, onde aprendem a poupar o dinheiro e investi-lo em questões relevantes para a família. Enquanto acontecem as visitas, as crianças brincam juntas e outras mulheres vendem frutas e legumes. Um verdadeiro ponto de encontro e comércio para a comunidade.
É tanto sucesso, que atualmente são quase 800 mulheres trabalhando na colheita e fabricação dos produtos, ao longo de 53 comunidades espalhadas pelo país.
Agora a cereja do bolo: 100% do lucro obtido é reinvestido em favor das comunidades. A Gone Rural disponibiliza uma clínica móvel, que passa pelos grupos e oferece consultas e tratamentos médicos gratuitos, paga integralmente as taxas de admissão para 300 crianças em fase escolar e ainda disponibiliza água tratada para mais de 8000 pessoas.
Durante a nossa visita a Lamgabhi, uma das comunidades apoiadas, tive a chance de conversar com a Sra. Thimbisile Mthembu, líder comunitária e professora de micro finanças para as mulheres. Foi fantástico do começo ao fim.
Primeiro pelo tema, que tende a ser um dos meus preferidos – gênero – segundo pelo carinho com que fomos recebidos e por fim, pela paixão e admiração que Thimbisile tem pelo seu trabalho, pela Gone Rural e por acompanhar o florescimento de tantas mulheres.
No final do dia, depois que o Fe passou horas ajudando a pesar as gramas – enquanto eu papeava com as meninas – distribuímos novamente as fitinhas do Think Twice Brasil, que encomendamos nos moldes da fitinha do Bonfim, para entregar às pessoas que participam das experiências como uma forma de agradecimento. E ai virou festa. Mas virou festa de mulher, sabe ? Eu rindo alto e todas as mulheres pirando quando eu dizia que tinham direito a três pedidos quando eu amarrava a fitinha. Foi a prova de que mulher ama brinde – eu principalmente – e se dá bem mesmo sem falar a mesma língua. Só basta ter o coração aberto O vídeo abaixo mostra um pouco disso tudo.
E na hora da despedida, agradecemos a todas e, sem esperar, recebi um abraço carinhoso acompanhado da seguinte frase “That’s my sister!!” (Ëssa é minha irmã!).
Engoli o choro, entrei no carro e já fiz as contas de quanto custaria comprar 75 peças Gone Rural para levar pro Brasil. Ai lembrei que na minha mochila não cabe nem maquiagem, muito menos um vaso artesanal de 130cm. Foi triste, porque é tudo lindo. Praticando o desapego.
Mas eu já tinha ganho o que precisava: Energia e inspiração pra seguir viagem. Com o coração cheio de amor e a cabeça cheia de ideias. Além de um plano secreto para exportar produtos Gone Rural pro Brasil.
Quem quiser contribuir com o projeto pode doar diretamente pelo site (http://goneruralswazi.com/). Também dá para comprar os produtos, mas é necessário enviar um email solicitando instruções sobre a forma de envio ao Brasil. Vale a pena!
Muito Obrigada a todos que fizeram parte dessa experiência, em especial ao Toby Allison pela carinhosa acolhida e pela aula de culinária, ao Marc por viabilizar nossa visita ao Gone Rural e à Thabile Masuko por nos acompanhar pelo tour na produção.
Gabi.
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