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Experiência #9 - Kafue e Kasanka, Zâmbia


Nossa mentalização positiva funciona! Vivendo mais intensamente em cada lugar as coisas que tanto buscamos aparecem. Assim foi na Zâmbia!


A República da Zâmbia se tornou independente em 1964. Até esse ano foi um protetorado britânico chamado de Rodésia do Norte. Uma curiosidade bem particular é que o vice-presidente, Guy Scott, é branco em um país onde menos de 1% da população é dessa cor. A curiosidade – parte dois – é que hoje ele é o presidente interino por tempo limitado, pois o ex-presidente Michael Sata faleceu no dia 28 de outubro e em razão de não ter pais zambianos o vice só poderá comandar o país até as eleições emergenciais nos próximos noventa dias… Estranho? Imagina o sorteio urgente para um novo presidente…


Um dos principais meios de sobrevivência no continente africano é a atividade agropecuária, o que eu acredito ser parte da solução para a fome. Sempre quis aprender muito sobre ela para um dia ter uma horta em casa, saber a procedência do que como e alimentar a família! E quem sabe mais famílias, seria uma perfeita harmonia! Estou falando de sua vertente orgânica claro, uma vez que a convencional atual e a pecuária moderna fazem diretamente mal a saúde, por mais irônico que pareça…

Apenas para ilustrar a gravidade dessas atrocidades:

  • O frango das grandes indústrias (que nós muito provavelmente comemos) chega ao tamanho propício para abate em sete semanas, quando naturalmente seriam dez. Isso em razão dos hormônios injetados somente no peito, por ser a região que mais se consome. Dão tantos antibióticos que seu organismo cresce desordenadamente, assim órgãos e ossos são desproporcionais. Essas mutações impedem que ele se equilibre e consiga andar, consequentemente engorda mais rápido. É criado enclausurado no escuro para andar o mínimo possível e fica o tempo todo vivendo em suas próprias fezes apertado entre muitos amigos… Em resumo, além de serem tratados com crueldade todos esses químicos nocivos à saúde ficam na carne que chega ao nosso prato, claro.

  • Os transgênicos são mutações genéticas de sementes para criar as mais resistentes e minimizar perdas financeiras do fazendeiro. Essas são dez vezes mais caras que as sementes convencionais pois prometem ganhos maiores e têm praticamente um monopólio de variedades das indústrias globais. Detalhe é que são quimicamente desenvolvidas para germinarem somente uma vez, assim é preciso comprar de novo… O uso de fertilizantes e pesticidas que são feitos com petróleo, também carregam diversos produtos químicos que ficam no alimento que comemos.

  • A cumplicidade dos governos é assustadora a ponto de um dos pesticidas mais distribuídos nos EUA, a Atrazina, ser proibido na maioria dos países europeus em razão de estudos que comprovam sua nocividade a humanos por contaminar a água. O mais irônico disso é que a empresa fabricante é europeia e é proibida de vender no seu próprio país. HILÁRIO!

Calma, não jogue o computador longe, porque ainda não falamos da obsolescência programada de equipamentos eletrônicos, para que eles parem de funcionar intencionalmente para você comprar um novo hahahahahah. Sério…

Voltando à alegria!!!


Para estudar o tema, ao invés de começar em um curso tradicional, porque não nos campos da Zâmbia com agricultores extremamente conscientes e generosos? Assim o fizemos graças à rede WWOOF (World Wide Opportunities on Organic Farms – tradução: oportunidades globais em fazendas orgânicas), que tem a incrível missão de colocar em contato fazendeiros orgânicos ao redor do mundo dispostos a receber voluntários interessados em aprender e trabalhar com eles. Uma forma incrível de troca que independe de dinheiro, já que a mão na massa do trabalhador voluntário recebe por escambo acomodação, alimentação e ensinamentos. Não a conhecia até planejar essa viagem, mas a alegria de descobri-la se fez valer nas primeiras experiências fenomenais que tivemos nesse país.


Nosso primeiro fazendeiro amigo foi o Sebastian Scott, na Old Orchard Farm em Kafue, uma cidade a cinquenta quilômetros da capital Lusaka. Ele cultiva principalmente bananas, legumes e vegetais. Como um dos princípios orgânicos, ele também cria porcos e galinhas para adubar o solo e consequentemente a carne. Foi uma imersão em agricultura e biologia. Fiquei me lembrando daquelas aulas na escola, quando aprender o funcionamento da vida parecia desinteressante. Crianças… E burro (no meu caso).


Existem diversas visões e opiniões sobre essa prática, especialmente a orgânica. Contudo, não discutirei nesse momento o conteúdo já que ainda preciso plantar muito para criar o meu ponto de vista e poder compartilhar as minhas ideias. Mas já posso adiantar que tive muita alegria ao ver de perto que é realmente possível ter uma produtividade excepcional ao entender apropriadamente as leis da natureza e tratando-a com o devido respeito.


Identifiquei-me muito com o Seb de algumas formas. A primeira é que sua motivação inicial para ser fazendeiro foi de contribuir de alguma maneira contra a fome, já que a sua missão é gerar alimento. A segunda é que ele não vê seu meio de vida com olhos de negócio pelo lucro acima de tudo – o que é a doença do capitalismo… – Ele tem o princípio admirável de dividir conscientemente os ganhos da fazenda com os trabalhadores que a ela se dedicam. Seb é branco e seus dois parceiros negros, o que não é nenhum empecilho racial, mas seria bastante fácil e aceitável no meio social em que vivem, ele como proprietário numerar um salário minimamente aceitável para alguns trabalhadores e gozar “consumistamente” sozinho de maiores lucros…


Seguindo as identificações que senti, ele é simplista na forma de viver, o que almejo para o meu estilo de vida. A casa é agradável, mas não tem geladeira, micro-ondas e nem ar condicionado. A melhor parte é que antes de cada refeição ele caminhava até a horta para colher o que comeríamos em seguida, mais fresco impossível. O que mais nos alegrou nessa experiência é a generosidade que ele teve desde o começo para nos receber e abrir sua casa, nos alimentar abundantemente e ensinar com muita naturalidade. Isso tudo sem estipular regras e obrigações. Apenas estivemos com ele coletando adubo de galinha (carreguei quilosss) e ajudando o Victor e Ivan, que são os dois outros fazendeiros, no tomate. Tudo com muita leveza.


A segunda aula de agricultura foi no parque nacional Kasanka, que fica na região central da Zâmbia. Depois de uma aventura noturna de dez horas de ônibus fomos recebidos por Pieter Snyman, um sul-africano que mora na Zâmbia há vinte anos. Sua fazenda, a Mulembo, já operou com força total cultivando de milho a mandioca, assim como gado e até viveiro de peixe. A verdade é que à medida que a fazenda cresceu se tornou um grande desafio gerenciar tantos trabalhadores, muitas vezes sem a aptidão necessária para o trabalho e algumas vezes com má fé. Depois de anos nessa tentativa, sua frustração o cansou e Pieter passou a criar somente gado.


Como fruto de muitas pesquisas, ele nos ensinou o conceito de “bio-multi”, um concentrado natural de micro-organismos dissolvido em água para irrigar o solo e hidratar os animais. Formas 100% orgânicas como essa, usadas corretamente, aumentam a produtividade das plantações evitando ervas daninhas e otimizando as horas trabalhadas no campo. Outro aprendizado fundamental é que o bio diesel a partir de mandioca é fácil de fazer e pode ser o combustível renovável para o uso de máquinas. Fechar um ciclo autossustentável é um princípio da agricultura orgânica também.


Bom, muito mais que o conteúdo técnico, ficou claro que é totalmente viável realizar agricultura orgânica consciente e ainda mais motivador é que existe uma oportunidade-necessidade gigantesca para disseminar esse conhecimento pela comunidade rural de pequenos agricultores, já que em países como o Brasil e a Zâmbia essa forma de cultivo representa apenas 1%. Não é um discurso anti-capitalismo, mas o formato cegamente “aprimorado” na busca pelo lucro infinito criou meios de fazer os pequenos serem reféns das grandes indústrias e formas diretamente destrutivas à natureza e maléficas à saúde humana. O que significa ser social e ambientalmente irresponsável. Como tais conceitos caíram no famoso e inquestionado senso comum (rural), se faz necessário uma grande conscientização para reverter erros aprendidos.


Essa falta de instrução nas áreas rurais tem complicações ainda mais graves na alimentação, principalmente de crianças, uma vez que a subnutrição é uma deficiência comum. Muitas das vezes que perguntamos a idade de uma criança nos impactava saber que ela deveria ser bem maior e teve seu crescimento afetado. O esperançoso desse tema é que sentimos numa comunidade rural que ficamos – contaremos todos os detalhes no próximo texto – que muitas vezes eles têm acesso a vegetais e legumes variados e muitas vezes os produzem, mas por força do hábito comem muito mais do mesmo. É o caso do prato local mais típico, o nshima, que é uma mistura de água, milho, mandioca ou sorgo. Todos fazem questão de comer no almoço e no jantar como o prato principal, o que acarreta um déficit de muitos outros nutrientes por não balancearem melhor os ingredientes.


O mais prazeroso de cada experiência é ver que alguns problemas tem soluções mais próximas do que parecem, só precisamos caminhar na direção correta dispostos a investir um pouco de nós em guiar quem precisa e permitir que sejamos guiados quando precisamos! A evolução é constante!


Felipe.

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