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Humanos precisam treinar a civilidade?



Tirei férias na Itália e foi ótimo pra descansar e conhecer a história dos Romanos, um dos povos mais dominadores que se tem notícia na história.


Deixarei o lado histórico pros livros, mas o primeiro insight que ficou é como o Brasil é jovem e como precisamos trabalhar pacas aqui. Qualquer predinho com arquitetura e pinturas de “afrescos” feitos há uns seiscentos anos eu pensava “caramba, em 1416 o Brasil ainda era puro e a sociedade era só indígena”. (Uso essa nomenclatura apenas pra facilitar a referência a como chamaram os habitantes na época da descoberta, já que acharam que aqui era a Índia… e assim ficou até hoje).


O segundo insight é como dependemos de um grupo de pessoas tornarem hábitos regulados pela lei pra entendermos o que é civilidade e respeito pelos outros, dentre outros valores. Somos bichos mesmo e precisamos ser treinados! Essa compreensão veio de inúmeros fatos históricos lidos, como, por exemplo, o que conta que até o Papa da época ia ao coliseu assistir o entretenimento humano selvagem pra fazer política…


Além desses fatos do passado, particularmente um hábito cotidiano atual – que sempre me desesperou – foi o provocador dessa reflexão: pessoas fumando. Na Itália a legislação do cigarro e similares é tímida ainda, nos restaurantes só não se pode fumar dentro, então nas mesas de fora (minhas preferidas) a nuvem de toxina é liberada.


A verdade é que isso me fez refletir muito além do ato de fumar, mas uso esse como exemplo, pois vivi essa experiência por umas semanas. Fiquei pensando sobre como nos autoconhecemos, o que sabemos e como nos vemos perante aos outros.


Muito mais que uma discussão médica dos males do tabaco, eu ficava diariamente chocado com como as pessoas vivem na bolha do seu corpo, os milímetros ao redor dele e conseguem não se importar nem com quem está a trinta centímetros de distância, literalmente. Essa analogia vale para inúmeras esferas da vida.


Eu não fumo e tenho bronquite, então respiração sempre foi mais complicada pra mim, mas, independentemente disso, ao andar pelas cidades eu fui obrigado a fumar algo de tabela em movimento a cada cinco minutos. Sem exagero.


Caramba, o que acontece? Parece que dizemos que estamos tentando evoluir, mas ficando cada vez mais egocêntricos. Incoerência… Eu arrisco dizer que num país desenvolvido e com acesso à informação disseminado, a imensa maioria da população já soube, de alguma forma, que o cigarro faz mal. Porém, mesmo ciente de que está se prejudicando aos poucos não vê problema algum em prejudicar os outros ao lado? A cegueira psicológica desse costume se prova nas várias vezes que vi os pais fumando a centímetros dos filhos muito pequenos. Como podem? Isso tem que ser crime de irresponsabilidade por colocar a vida em risco.


Em certa ocasião estávamos comendo num restaurante e numa mesa colada à nossa um casal se sentou e ascendeu o cigarro (como aconteceu várias vezes). A fumaça branca e 100% visível vinha em nossos rostos em abundância. Mesmo tendo treinado a paciência eu não aguentei e falei “com licença, estamos comendo, você pode fumar pra lá, por favor?”.


O jovem com certo sarcasmo falou “na Itália nós podemos, mas porque você me pediu eu o farei”. Eu subi o tom pra tentar explicar que é uma questão humana, não de país e etc, mas a Gabi me conteve. Eles ficaram mais dez minutos e se foram, mas ao levantar o rapaz ascendeu um na minha frente antes de ir.


Como é possível alguém não se importar com o espaço do outro?


Minhas hipóteses: – Ele não sabe que o cigarro faz mal. – Ele acha que todos ali fumam. – Ele acha que a fumaça não incomoda ninguém. – Ele está preocupado em satisfazer o seu prazer no momento e pronto. – Todas as alternativas anteriores.


Como o oráculo não tem a resposta desse rapaz eu saí com a conclusão que não sei, mas que realmente qualquer problema precisa ser discutido. Pra ele, o fato da lei do país permitir deve significar que não tem problema ou que não faz mal. Cadê o adestramento?


Para tanto acho que precisamos de mais paciência, deixar o julgamento e o preconceito de lado ao observar o fato especificamente, compreender os sentimentos que te gera, encontrar e respeitar as suas necessidades não atendidas, assim como a do outro, e se comunicar. Isso é o que aprendi com a Comunicação Não Violenta, me faz muito sentido e fiquei tentando praticar. Nesta situação acho que não consegui exatamente, porque essas hipóteses que mencionei ficavam martelando a cabeça e o pensamento não permitiu que a consciência entrasse em ação.


O insight que ficou é como realmente precisamos de diálogo e, de mãos dadas, rever muita coisa que não está funcionando para os outros na sociedade da forma como vivemos, e querer mudar. Pra mim fica cada vez mais claro que isso depende exatamente dessa vontade, largar a bendita mordomia do “tô bem aqui”, escutar, falar e concluirmos juntos o melhor pra todos.

Bom, continuarei estudando e trabalhando num movimento para engajar mais gente a abrir os olhos e desencorajar a avareza, mas um passo por vez.


Felipe Brescancini

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