Tenho um amigo noviço do Laos, ele tem vinte anos. Mantenho meu contato com ele por e-mails e Skype com certa frequência. Dentre muitas conversas que temos, o que ele mais me pergunta é sobre o mundo fora do templo e fora do Laos.
No começo, ao entender como é o cotidiano dele, parecia só uma diferente perspectiva de alguém, mas hoje me marcou muito perceber como podemos viver em bolhas totalmente separadas sem nem a capacidade de ver o que está acontecendo fora dela. – Isso não é uma crítica à alienação. – Entre tantas perguntas que me faz, fica cada vez mais claro que a realidade dele estava na fronteira da sua religião, da sua rotina, da educação que recebe e da parte da sociedade que ele tem acesso em Vientiane atualmente. Contudo, sua curiosidade de enxergar o desconhecido está me ensinando muito.
Olhando a vida e as tentações do lado de fora do templo, ele sentiu esse chamado pra não aspirar mais ser um monge budista e decidiu sair, ter namorada, família e trabalho. Esse anseio ele já tinha quando nos conhecemos, em Luang Prabang, em junho de 2015. Achei muito bonita essa coragem e sempre o apoiei.
Nessa transição, passei a sentir como é para alguém começar a entender como funciona esse outro mundo. O primeiro grande impacto é que olhando a partir da bolha dele, viver “ali fora”, querer viajar e ter família parece muito fantástico, mas no Skype que fizemos hoje me doeu muito ouvir o seu relato angustiado por descobrir que existem pessoas que mataram monges em Mianmar, bombas nas ruas da Síria, o Estado Islâmico e crianças que passam fome na África.
Tais questionamentos surgiram de pesquisas que ele mesmo fez na internet para entender mais sobre o mundo.
Machucou-me muito ver que apenas a vontade de viver uma vida simples e não 100% dedicada à religião poderia ser tão assustador.
Temos conversado muito sobre como planejar sair do templo. Ele pretende dar aula de inglês e ser guia turístico para ter um sustento a partir disso. Que ótimo que ele sabe que isso é necessário, mas ele tem planejado deixar o templo em outubro com as economias que têm de doações das suas peregrinações matinais, 123 dólares, e passar na prova pra ser professor.
Estou daqui, a certa distância, tentando orientá-lo a como ter cautela pra ter certeza que ele terá essa renda quando sair e como planejar ter onde morar, o que comer, roupa pra vestir e dinheiro para pagar isso tudo. Uma ajuda familiar não será possível, uma vez que são muito simples e vivem no interior do país. Ele mora no templo desde os treze anos, o que foi uma forma de aliviar as despesas da família.
Agora quem está angustiado sou eu, pra conseguir ter certeza que essa mudança será boa, ele conhecerá pessoas do bem, que respeitarão o seu trabalho, pagarão uma quantia justa e se preocupem que ele terá condições boas pra viver. Triste ter que duvidar, não é?
Exatamente durante esse meu pensamento, ele me perguntou se existiam ladrões e gângsteres no estado onde eu morava e como eu fazia pra me proteger. Também questionou quantas pessoas boas têm onde eu moro…
O que eu poderia dizer? Como posso contar a realidade cruel desse mundo sem apagar o sonho dele de ter uma família em paz e ainda dando coragem? Falei um pouco de como eu vejo essas diferenças e como acreditar que pra pessoas do bem o universo só conspira a favor.
A última pergunta que me fez foi: Você é feliz todo dia?
Eu sou, mas agora estou aqui, sentado e pensando, como descobrir junto com o meu amigo noviço (e outros jovens) que ser um cidadão do mundo e viver em paz é possível.
Felipe Brescancini
Comments