Finalmente achei um jargão que, mais profundo que uma baboseira qualquer, pode ter um sentido de verdade: “O que vale é a intenção!”.
Hoje, muito tem se falado sobre “propósito”, mas receio que quando uma palavra começa a ser amplamente discutida por diferentes interlocutores, com visões não exatamente alinhadas, seu significado corre o risco de ficar perdido num labirinto do inconsciente coletivo… Por exemplo, a coitada da “sustentabilidade” anda confusa mundo afora.
A intenção nada mais é que a nossa vontade, o que quero fazer e por que. Claro que isso já é impensado atualmente, já que qualquer decisão que tomamos no dia-a-dia nasce dessa vontade, desde a que hora tomar água até a escolha da faculdade. A grande questão é o porquê desses desejos, já que correndo atrás do tempo continuamente não costumamos parar pra pensar.
Aprendi no Budismo que para purificarmos a mente precisamos ter consciência da pura motivação por trás de cada ato. É bem simples: parar, respirar e refletir. Isso pode se tornar um hábito para melhorar nossa qualidade de vida, sendo responsáveis por nossas escolhas e tendo noção das consequências que elas geram.
Claro que a ideia não é tornar esse hábito uma obsessão, como: “Opa, porque eu vou tomar água agora? Preciso parar pra entender a situação dela no mundo antes…”. Mas como a sociedade funciona hoje, acredito que um papel fundamental carece desse questionamento, o trabalho.
Educação e Escolha da Profissão
Vale notar, de antemão, que essa crítica é válida para duas realidades diferentes: (i) a maioria da população que não tem muitas oportunidades de escolha, acesso à educação de qualidade e nem a possibilidade de decidir sua profissão; e (ii) a minoria da população, que através do seu poder aquisitivo pode decidir com mais liberdade qual caminho seguir.
A maioria
Para decidir com consciência a que profissão queremos nos dedicar pelo resto da vida (em teoria) ter acesso a uma educação de qualidade mínima é mandatório. Na realidade injusta do Brasil, assim como em inúmeros países subdesenvolvidos, a educação não chega a todos, muito menos com qualidade. Desta forma, não é nada justo se esperar que todos os trabalhadores estejam preparados para desenvolver seu trabalho, que tenham sido capacitados para tanto e que tenham claro qual a intenção do seu ofício.
Por isso, para a grande maioria dos casos o trabalho passou a ser mais relacionado à sobrevivência na civilização, literalmente, do que a colocar em prática um propósito para exercer sua função social com responsabilidade. Muitas dessas pessoas não tiveram nem a possibilidade de escolher com o que gostariam de trabalhar. É como se o trabalho disponível escolhesse a pessoa e obrigar-se-á a fazê-lo.
Não é a toa que ter emprego se tornou uma obrigação necessária e não uma vontade de usar seus talentos a serviço dos outros numa relação de interdependência genuína. Neste contexto, se sentir realizado no trabalho e exercê-lo da forma correta é um desafio quase impraticável e um ideal bastante inoperante.
A minoria
Os privilegiados, diferentemente, tem acesso a uma educação onde podem aprender o racionalismo da vida em sociedade, entender o significado do trabalho e saber quais áreas é possível se especializar para tornar-se profissional.
(Nota¹: O modelo educacional de sucesso hoje é preocupante, na minha opinião, por não estimular o bem coletivo, impor regras dominantes e uma competição predatória que minam a criatividade e o aflorar dos talentos das crianças. Mas essa discussão pode ser tema de outro artigo.)
Para esses que podem chegar ao ensino superior, ainda existe o modelo brasileiro do “vestibular” que é desesperador. Esse formato competitivo de entrar na universidade obriga os estudantes a investirem (e perderem) tempo e, muitas vezes dinheiro com o cursinho, para memorizar intermináveis informações, das quais a grande maioria será irrelevante para usar em sua futura profissão. Eu passei por isso :).
(Nota²: Também para não me estender, não entrarei no problema social do ensino superior público gratuito no Brasil, que é muitas vezes inacessível pra quem mais precisa, por não poder pagar, em razão da desigualdade educacional de qualidade supracitada.)
Para que esses jovens decidam a faculdade e o curso que desejam se especializar, eles: (i) não têm tempo, liberdade, nem mentoria para ajudar a encontrar seus talentos e assim qual profissão estaria mais conectada com seu propósito. Isso tudo tem que ser durante o último ano do ensino médio; (ii) são forçados a pensar em qual curso e faculdade eles conseguiriam entrar ao mensurar a probabilidade de passar em determinado vestibular, já que medicina na universidade púbica é altamente mais competitivo do que publicidade na universidade privada; e (iii) têm que se render as pressões sociais e familiares impostas para sustentar o desejo de sucesso e dinheiro.
Conclusão da Educação
Como podemos almejar que os jovens se questionem sobre a sua intenção para decidir a ocupação da sua vida, se a educação para tanto: 1. Não chega para todos gratuitamente (ensino fundamental); 2. Quando chega, não é de qualidade para todos; 3. Quando chega com qualidade e existe a possibilidade de ir pra faculdade, você ainda tem que decidir rápido e sob pressão o curso e a instituição; 4. Quando decididos, você precisa calcular se tem chances de entrar no ensino público; 5. Quando tem chances, você tem que estudar feito louco, para tentar entrar; 6. Quando não tem chances ou tentou e não conseguiu, você tem que descobrir uma faculdade privada que você tem chances de entrar e você ou sua família pode pagar.
Ufa, que desafio. Ou seja, como esperar profissionais realizados e cientes da sua função social no trabalho, se só entrar na faculdade já é uma confusão de incertezas?
O Trabalho
Passada essa avalanche de questionamentos e anos de estudo, com qual nível de esclarecimento esse jovem entrará no mercado de trabalho? Tirando que para muitos cursos, você tem que começar o estágio logo para ter seu lugar ao “sol laboral” e/ou conseguir pagar a faculdade. É uma jornada sobre-humana, trabalhando o dia todo e estudando a noite, quando o cérebro já não está em condições de absorver muita informação.
Isso é preocupante. Esse trabalho não escolhido apropriadamente tomará a maior parte do nosso intelecto, energia e tempo pelo resto da vida. Esse ponto que eu queria chegar. Vivemos numa sociedade que pessoas não sabem ao certo porque fazem o seu trabalho e qual é a intenção de fazê-lo.
Um trabalho consciente e conectado com o propósito de cada um é o que a civilização suplica pra voltar a ter um rumo e a se desenvolver pelo bem comum de todos, mas ele está perdido naquele mesmo labirinto do inconsciente coletivo.
Cada um tem que exercer a sua função social para a sociedade funcionar, mas sem ter uma motivação clara para tanto, estamos nos tornando reféns apenas da recompensa do trabalho: o dinheiro.
Quantas pessoas você conhece que se dizem fazendo um trabalho que amam e que a realiza todos os dias? As notícias de que cada vez menos gente está satisfeita no trabalho têm tomado proporções consideráveis ultimamente.
A boa notícia é que têm surgido modelos com uma consciência mais ampla, como negócios sociais, fair trade, economia solidária e os orgânicos. Em sua essência eles prezam por fazer um trabalho justo, mais preocupado com as consequências para todos os envolvidos na cadeia – da produção ao consumo – e para melhorar déficits sociais cada vez mais alarmantes.
Isso é maravilhoso, já temos novas soluções que podem mudar a realidade de hoje, só precisamos de mais gente querendo enxergar isso e se mexendo para fazer parte desse movimento de conscientização.
Mais fundamental ainda, é essa nova mentalidade na educação que prepara os líderes do futuro. É necessário uma libertação para criatividade, auto conhecimento e o poder de escolher o que realmente permita a eles conectarem seus dons com sua forma de trabalho. Uma transformação social profunda mora ai.
Como referência, vale muito ver A Educação Proibida, que explica profundamente o surgimento da educação e seu momento atual com pensadores de toda América Latina. Tem no NETFLIX também.
No próximo artigo pretendo explorar mais do que e como essa “função social” pode ser na prática. Fica o convite!
Obrigado!
Felipe Brescancini
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